O último baile na ilha fiscal chamada Brasil

No último ano e meio assistiu-se a imposição ao Brasil de agenda neoliberal arquitetada em luxuosas salas de bancos, onde os sempre poucos participantes utilizam como língua oficial o inglês.

Já em meados de 2013 não havia divergências profundas no “mercado” sobre o que deveria ser o curso da política brasileira. Há uma certa obviedade nas tais “reformas”, que incluem a “independência” do Banco Central e da Polícia Federal, mas também reformas na previdência, na legislação trabalhista ou qualquer proteção à empresa nacional. Há também “consenso” de que a inflação deve ser controlada mediante elevação nas taxas de juros, independentemente do prejuízo social que isso possa causar.

Ocorre que o resultado das eleições brasileiras confirmou a continuidade do projeto Brasileiro, que se apoiava na expansão da infraestrutura logística, energética e urbana como motor para a distribuição de riqueza e vice versa. A miséria como oportunidade, como dizia o mestre Celso Furtado. No projeto que se sagrou vencedor nas urnas à Petrobrás caberia posição elevada na hierarquia das mineradoras com interesse no Atlântico Sul. Seriam consolidados eixos de desenvolvimento para o comércio exterior, como as saídas para o Oceano Pacífico, mediante a expansão da influência do país sobre os territórios vizinhos na África e na América do Sul. Ou seja, os brasileiros passariam a ocupar lugar de destaque na hierarquia mundial, lugar este compatível com nosso tamanho frente às outras nações.

A frustração das “oposições” no resultado das urnas ganhou contornos emocionais na medida em que o projeto para o Brasil foi substituído pela mesma agenda neoliberal que os “opositores” tinham por proposta implementar. Isso o que mereceram depois de tanta lealdade!

Passada a influência imediata do acontecimento histórico, os jornalistas se retiram. Chegam então os historiadores e aquilo que parecia de um jeito ganha outras interpretações. Com o golpe militar há cerca de 50 anos foi exatamente assim. Os militares não se mostraram confiáveis, dado que acabaram por aderir a este tal de projeto para o Brasil. Foram depauperados desde então. No regresso à democracia, a cooptação do judiciário mostrou-se muito mais eficaz. Afinal, trata-se da instituição promotora de justiça.

Depois de um pico de 27,2% de participação da indústria na atividade econômica brasileira, em 1985 iniciou-se processo de desindustrialização. Cerca de metade da perda de participação da indústria no PIB ocorreu entre 1985 e 1995 e a outra metade entre 1995 e a conjuntura, com deterioração acelerada a partir de 2005. Na conjuntura se aproxima dos 8% da atividade econômica do país. Por outro lado, a agropecuária avançou para 23% do PIB em 2015.

Confirmada a tendência, podemos declarar o fim do milagre da industrialização no Brasil ? Sairá triunfante a aliança, alias estabelecida desde o século XIX, entre a banca e o latifúndio no país ?

A história recente parece mostrar que sim. Mas antes da rendição ao que parece ser o fim da história, o triunfo imperial de uma sociedade vigiada e exaurida, cumpre-se olhar o ambiente internacional. É de fora para dentro e de cima para baixo que vêm os fenômenos que desconcertam os sólidos arranjos estabelecidos entre os dominadores externos e aproveitadores locais.

A hipótese que se pretende rapidamente discutir é que o Projeto para o Brasil, de invariante retorno, encontra-se sob ajuste conjuntural.

A troca de dominadores externos no país se deu por arranjos políticos estabelecidos diretamente entre estes dominadores. Assim situa-se  historicamente a Inconfidência, como frustrada tentativa de afirmação, pela primeira vez, de Projeto para o Brasil. Não é necessário lembrar que menos de 50 anos depois houve troca de dominador, com a celebração de uma “independência” que jamais voltou a ser confundida com soberania. Ao final do século XIX, com a tardia abolição da escravidão e constituição de mercados de massa no país,  a elite latifundiária, associada às elites financeiras inglesas, resistiram pouco ou nada à passagem de bastão aos norte-americanos por ocasião da República. Já nas primeiras décadas do século passado entravam as primeiras filiais de transnacionais norte-americanas no país.

Nas Gerais do século XVIII criou-se pela primeira vez alta cultura, apesar do acesso direto à moeda internacional, que levava corações e mentes a desejar aquilo que se exibia no Norte da Europa. A interioridade ampliava distâncias e saia fortalecida a relação entre os mineiros e as elites comerciantes ligadas ao mercado interno (NE e S). Não obstante, estas elites subestimaram a capacidade do Estado português produzir inteligência, juízo e punição exemplar para quem ameaçasse tema tratado então com o devido cuidado.

Textualmente retirado do Livro I dos Autos da Inconfidência, abreviando-se os nomes próprios:

No Rio de Janeiro, por sua vez, L. V. e Sousa que, bastante sagaz, procurara manter o Alferes Xavier em liberdade mas sob rigorosa vigilância, a fim de, pelos seus movimentos, descobrir os possíveis cúmplices da conspiração, acabou perdendo a paciência ao ser informado de seu desaparecimento. Tiradentes, de fato, se ocultara ao verificar que estava sendo seguido por dois granadeiros disfarçados. Conseguiu despitá-los, valendo-se da ajuda de amigos, mas, no dia 10 de maio acabou sendo preso no sótão de uma casa da Rua dos Latoeiros. Na mesma ocasião era também detido o delator Coronel Silvério dos Reis, a bem das diligências que deveriam ser feitas para o esclarecimento e comprovação dos fatos alegados em sua denúncia. Pouco mais de uma semana depois, na noite de 20 de maio de 1789, ao tomar conhecimento dos fatos ocorridos no Rio de Janeiro, ordenava o Visconde de Barbacena, as prisões do Pe. C. C. T. e Melo, do Coronel I. J. A. Peixoto e do Sargento Mor L. V. T. Piza, irmão do Padre Toledo, residentes na Comarca do Rio das Mortes, em diligência de que foi encarregado o Tenente A. J. D. Coelho e, no dia seguinte, a do Desembargador T. A. Gonzaga, morador em Vila Rica, a cargo do Tenente Coronel F. A. Rebelo.

Hoje há ao menos dois ingredientes que aumentam em muito a importância do Brasil no cenário internacional. Com disponibilidade de energia renovável e abundância de terras férteis e água, o Brasil irá permitir, inexoravelmente, elevada escala de produção para espécies geneticamente modificadas, vegetais e animais.

Para que se cumpra este papel na divisão internacional do trabalho, serão necessários montantes elevados de capital imobilizado por longo prazo em infraestrutura logística e energética. Isso independentemente do esforço dos bancos internacionais em destruir crédito. Como visto na década de noventa, os “mercados” não são atraídos pelo longo prazo, mas por agenda de fusões e aquisições.

Em contexto de Estado mínimo e ajuste fiscal, quais atores econômicos internacionais, ex-bancos, têm demonstrado interesse em imobilizar capital no Brasil ?

A participação chinesa é crescente e tem se verificado em setores tão diferentes quanto energia, automotivo, agropecuária, transportes, mineração, eletroeletrônico, telecomunicações e máquinas-ferramentas. Apenas para infraestrutura, foram anunciados investimentos de US$ 50 bilhões, tendo-se investido entre 2005 e 2015 cerca de US$ 35 bilhões, de acordo com o CEBC.

Da mesma maneira, o número de chineses esperados de migrarem para o país é crescente em cerca de 20% sobre o estoque de imigrantes legalizados, que hoje supera os 50.000.

Considerando-se que a economia chinesa é bem pouco permeável ao capital financeiro, é de se esperar que haja alinhamento com interesses ligados ao petróleo, cujas reservas no Atlântico Sul são essenciais para os planos de expansão do Estado chinês.

Lembra-se que o capital imobilizado por longo prazo se territorializa, se expõe ao que se refere ordenamento social, do qual depende. Há interveniências com o poder público, compartilhamentos de responsabilidade. O esforço fiscal subtrai condições de viabilidade para as empresas chinesas no país, na medida em que atinge a base social da qual depende.

Em resumo, a formação do pacto político brasileiro passará por grandes transformações nos próximos anos e a instabilidade resultante refletirá o novo balanço de forças que o Petróleo trouxe inescapavelmente para a política nacional.

Caso correto, a supressão do futuro para o Brasil, promovida no acordo entre camadas muito atrasadas das elites locais e a banca, terá vôo curto. Olhando-se o panorama internacional percebe-se o espasmo neoliberal no Brasil como extemporâneo e inapropriado. Assim como o foi o último baile do Império.

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